Não existe trabalho sem proteção jurídica

Até há pouco tempo, dizia-se que “o Brasil é assim” ou “o brasileiro pensa assim. Era o julgamento de um pretenso “caráter nacional,” a partir do modo de ver o mundo de uma pequena elite econômica, política e social, que, de tanto dominar (isto é, tomar posse e conta dos bens privados e dos espaços “públicos”), acabou por impor um padrão de ação e reflexão, tido como “normal” e “adequado” pela antiga classe media, que sonhava com ascensão social e desprezava a maioria do povo, da qual pretendia se diferencia, submetendo-se aos poucos donos do poder e adotando seus preconceitos.

Entre tantos, o preconceito que talvez se tenha mais impregnado na costura social dessa minoria tenha sido a aversão ao trabalho e a trabalhadoras e trabalhadores. O trabalho, diz a estrutura colonial ainda presente, não tem valor e, bem por isso, não precisa de proteção da sociedade, pois a relação entre quem trabalha e quem usufrui do fruto do trabalho é pessoal, no sentido mais cru da palavra. A relação de trabalho é algo que se dá, segundo esse conjunto de ideias preconcebidas, entre o empregado e o empregador. O empregado é pobre, despossuído, por isso precisa trabalhar, diferentemente do empregador, que tem posses e pode submeter alguém ao trabalho. Assim, o empregador, que usufrui do trabalho, não remunera o trabalho, mas presta um auxílio ao empregado. Quem pretensamente protege a pessoa trabalhadora é o patrão, a patroa. O ganho que o empregador tem, explorando o trabalho alheio, fica escondido dessa equação. É o empregado que ganha pelo simples fato de receber a chance de trabalhar e, por isso, uma proteção pessoal. Portanto, o trabalhador, a trabalhadora passam a ter um vínculo pessoal com quem os emprega, e a sociedade não pode nem deve interferir nessa relação entre o dono ou a dona e seus trabalhadores e trabalhadoras.

Não é preciso muito esforço de crítica para compreender que essa forma de ver o universo do trabalho tem raiz na estrutura colonial e na longa experiência escravocrata brasileiras, das quais o pensamento da elite e da antiga classe média tem dificuldade, por falta de interesse, de se desvencilhar.

Daí a razão de também o direito do trabalho sempre ter sido visto, no Brasil, como um ramo mais pobre da experiência jurídica, aparecendo a Justiça do Trabalho como um estorvo para o mundo do trabalho e para a vasta comunidade jurídica brasileira.

Esse preconceito pesa muito na formação e na educação dos profissionais do direito, no Brasil. Ao ponto de a proteção jurídica do trabalho ter sofrido inúmeros revezes, ao longo do tempo, mesmo sob a Constituição de 1988. O mais duro, claro, foi a recente reforma trabalhista, feita em nome de uma vaga ideia de “modernidade” das relações do trabalho, que precisariam, nessa concepção enviesada, de – claro – menos proteção social, pois haveria outras formas de trabalhar na “sociedade contemporânea” (os partidários dessas ideias enchem a boca ao usarem esses termos, que mal compreendem e mal explicam), outros vínculos, e qualquer interferência protetiva estatal significaria impedir o “curso natural do desenvolvimento.

 

Fonte: https://www.brasil247.com/blog/nao-existe-trabalho-sem-protecao-juridica

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