Dia da Mulher: jovem supera dificuldades, entra em cooperativa de reciclagem e sustenta dois irmãos: ‘Não me vejo em outro lugar’
Com o pai ausente e a mãe e avó dependentes químicas, Karoline Fernanda, de 24 anos, precisou abrir mão de muita coisa para se tornar adulta rapidamente. Ela trabalha em cooperativa de São José do Rio Preto (SP).
A jovem Karoline Fernanda Delfino Miola, de 24 anos, encontrou oportunidade e acolhimento onde menos esperava. O sorriso estampado no rosto em meio aos bags lotados de materiais recicláveis demonstra o quanto a moradora de São José do Rio Preto (SP) se sente à vontade no trabalho.
Associada da Cooperativa de Coleta Seletiva, Beneficiamento e Transformação de Materiais Recicláveis de Rio Preto (Cooperlagos), Karoline nasceu e cresceu em um bairro periférico da maior cidade do noroeste paulista.
Com o pai ausente e a mãe e avó dependentes químicas, a jovem precisou abrir mão de muita coisa para se tornar adulta rapidamente.
“Não tive presença do meu pai nem da minha mãe. São pessoas que tinham problemas com uso de substancia química. Quem passa por isso sabe que é difícil.”
Com mais três irmãos, Karoline foi criada pela avó, já que a mãe, apesar de viva, estava sempre ausente, devido ao consumo de entorpecentes.
“Teve uma fase que minha mãe foi detida e tinha a guarda dos meus irmãos. Foi cada um para um canto. Dois deles foram morar com a avó paterna. O pai deles faleceu em um acidente de moto. Eu já estava sendo criada pela minha avó, inclusive minha irmã caçula ficou com a gente um tempo, mas o Conselho Tutelar recolheu. ”
Após cumprir pena, a mãe da jovem conseguiu a guarda dos filhos de volta, mas foi presa novamente. Aos 18 anos, Karoline, então, decidiu cuidar dos irmãos com ajuda da companheira.
“Quando minha mãe saiu da prisão, na ressocialização, a gente tinha uma esperança, mas foi tudo por água abaixo. Uma coisa é criar da criança desde bebê. Outra é quando pega na adolescência. Não me arrependo, mas tive que abrir mão de muita coisa. ”
Atualmente, somente dois irmãos, de 17 e 14 anos, vivem com Karoline, pois o terceiro mora com a avó paterna.
Chegada na Cooperlagos
Cooperlagos em São José do Rio Preto (SP) — Foto: Fabrício Santana
Antes de começar a cuidar dos irmãos, Karoline foi influenciada pela companheira e conseguiu entrar na Cooperlagos.
“Ela veio do Maranhão e entrou na cooperativa. Eu ainda estava com 17 anos, mas sempre vinha aqui, para ver as pessoas trabalhando. Fiz 18 anos em setembro e em outubro, entrei.”
Além das dificuldades com a família, a jovem enfrentou problemas pessoais, pois nasceu com lábio leporino, uma má-formação congênita que ocorre durante o desenvolvimento do embrião. “Minha voz era bem mais fanha. Sofri muito bullying. Tinha vergonha de falar com as pessoas.”
Quando entrou na Cooperlagos, Karoline começou a juntar dinheiro e conseguiu o tratamento que precisava, com ajuda da coordenadora da cooperativa, Tereza Marta Pagliotto. Após passar por cirurgia e tratamento com fonoaudiólogo, a jovem recebeu alta no dia 28 de fevereiro de 2023.
No dia 2 de março do mesmo ano, Karoline conseguiu a habilitação para dirigir caminhão, um sonho bem antigo. Anos após entrar na cooperativa, a jovem colhe os frutos das sementes que plantou no passado.
“Ainda estou muito emocionada. Realizar um sonho é poder retribuir tudo o que tive aqui. A forma como fui acolhida e ajudada. Assim como pude contar com a cooperativa, ela vai poder contar comigo. Gosto muito daqui, é minha vida. Não me vejo em outro lugar. Não penso em sair. Quero agregar e agradecer tudo que pude aprender e desenvolver.”
Questionada sobre o Dia Internacional da Mulher, comemorado nesta quarta-feira (8), a jovem diz que a data é de extrema importância. “Ser mulher é ser base, tanto na família quanto no trabalho. Eu, como mulher, sou a base da minha família. Ser mulher é inovação.”
Preconceito
Karoline com a colega Mayra Eleuza e a coordenadora Tereza Marta Pagliotto — Foto: Fabrício Santana
Coordenadora da Cooperlagos, Tereza Pagliotto está à frente do trabalho há 19 anos. Ao todo, são 81 cooperados, sendo 63 mulheres.
Ela conta que é gratificante ver as mulheres ocupando papéis de importância na cooperativa. “A gente se entende na busca de superação das dores, de vida, na busca do empoderamento, do reconhecimento, da valorização. ”
Apesar do reconhecimento ter aumentado nos últimos anos, Tereza diz que o preconceito com a mulher ainda existe.
“A gente tem conseguido mudar isso. As mulheres são maioria na cooperativa. Tenho recebido muito feedback positivo do trabalho delas. É desafiador ser mulher, porque a gente tem que quebrar barreiras de preconceito, do machismo. Ser mulher é estar desconstruindo a questão do machismo. Colocar a mulher onde ela quiser. ”
Fonte: https://g1.globo.com/sp/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2023/03/08/dia-da-mulher-jovem-supera-dificuldades-entra-em-cooperativa-de-reciclagem-e-sustenta-dois-irmaos-nao-me-vejo-em-outro-lugar.ghtml