Desempregados há mais de dois anos somam 22% do total

Recordes no número de trabalhadores ocupados, no contingente de quem trabalha com carteira assinada e na massa de rendimentos, acompanhados pelo menor contingente de desempregados em mais de nove anos, são alguns dos sinais que se repetem há dois anos e dão a tônica do momento no mercado de trabalho. A redução do desemprego de longo prazo – quando a busca por trabalho ultrapassa um ano ou dois, segundo o critério de classificação – se soma a esses indicadores.

Ainda assim, há 1,69 milhão de pessoas no país que procuram trabalho há mais de dois anos, o que corresponde a pouco mais de um quinto (22,4%) dos desempregados. Se incluídos os que buscam vaga há mais de um ano e menos de dois anos, o número sobe para 2,495 milhões de pessoas, ou um terço (33,1%) dos desempregados, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. Quanto mais tempo o trabalhador fica fora do mercado, mais difícil é sua reinserção.

Os números estão melhores que no passado, mas preocupam, especialmente com um mercado de trabalho aquecido. No quarto trimestre de 2019, último antes da pandemia, 24,8% dos desempregados buscavam uma vaga há mais de dois anos. O recorde foi no fim de 2021, o segundo ano da crise sanitária (30,6%). Quando se soma também quem procurava trabalho há mais de um ano, o maior patamar foi de 48,4%, no terceiro trimestre de 2021.

Os microdados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do segundo trimestre de 2024, compilados pelo economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi, mostram o perfil de quem procurava emprego há mais de dois anos no segundo trimestre: um quarto (24,7%) são jovens de 18 a 24 anos, o grupo etário com a maior participação; 63,8% são mulheres; 44,7% têm ensino médio completo; 37,6% moram no Nordeste; 50,2% são pessoas pardas; e 13,7% são pessoas pretas.

Grupos tradicionalmente vulneráveis sofrem mais com o desemprego que a população como um todo e, em alguns casos, essa intensidade é ainda maior quando se considera o tempo de procura. A parcela de desemprego de longo prazo entre mulheres, moradores do Nordeste e pessoas com ensino médio completo é maior que na população acima de 14 anos e também que no grupo de desempregados.

As mulheres são 51,7% da população acima de 14 anos, mas 54,2% dos desempregados e 63,8% dos desempregados há mais de dois anos. Na análise por regiões, o Nordeste tem 26,5% da população em idade de trabalhar, 31,5% entre os que buscam trabalho e 37,6% entre aqueles cuja procura passa de dois anos. Por grau de instrução, as pessoas com ensino médio completo são 31,6% da população, 42,4% das pessoas sem trabalho e 44,7% daqueles que buscam uma vaga há mais de dois anos.

Perfis que aparecem com taxas de emprego piores que as da população também se destacam pelos índices elevados de desemprego de longo prazo. Jovens de 18 a 24 anos são 12,4% da população acima de 14 anos e 24,7% dos desempregados de longo prazo; e pessoas pretas e pardas são 56,4% da população e 62,9% de quem busca trabalho há mais de dois anos.

“Quando a economia melhora, os efeitos positivos chegam ao mercado de trabalho. E isso diminui o grupo dos que procuram trabalho há mais tempo, mas sempre tem algum nível de desemprego de longo prazo, é considerado um desemprego estrutural”, afirma a professora de economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Diana Gonzaga.

Ela associa o problema principalmente às dificuldades de alguns grupos se inserirem no mercado de trabalho, como os profissionais mais jovens, com pouca experiência; os trabalhadores com baixa qualificação; e aqueles de minorias, como mulheres e pretos e pardos.

Baixa qualificação; pouca experiência, no caso dos jovens; mercado mais concorrido e com exigências maiores; falta de flexibilidade para manter atividades de cuidado são algumas das razões que explicam esse fenômeno. “O desemprego de longo prazo está associado às dificuldades de alguns grupos se inserirem no mercado, os mesmos grupos que enfrentam barreiras em outras questões no mercado de trabalho”, diz Gonzaga.

O contingente desse grupo que busca trabalho há mais de dois anos e a participação no total dos desempregados já foi muito maior que no segundo trimestre deste ano, mas ainda assim preocupa, diz o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Maurício Reis: “O contingente caiu e 1,69 milhão de pessoas parece pouco, mas não é. É uma fatia grande, um quinto dos desempregados. É uma questão importante e que preocupa”.

A literatura econômica costuma caracterizar o desemprego de longo prazo como aquele em que a busca por trabalho ultrapassa os dois anos. Mas há quem considere que pode ser incluído no grupo também quem procura uma vaga há pelo menos um ano, como é o caso da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). As consequências desse longo período de procura por trabalho passam pela crescente dificuldade de reinserção e perdas para a economia.

“São pessoas que tinham potencial de trabalho um ano, dois anos antes, mas começam a ficar desanimadas, perdem habilidades… O mundo do mercado de trabalho muda constantemente. Quando os trabalhadores estão fora do mercado, essa atualização é mais difícil. Há uma preocupação porque são pessoas que poderiam estar contribuindo para a atividade econômica”, destaca Bruno Imaizumi.

Ao avaliar o fenômeno do desemprego de longo prazo, o pesquisador do Ipea diz que as consequências podem ocorrer seja depois de um ano ou dois anos sem trabalho. Ao longo do período, em geral, o início é de busca mais intensa por trabalho, mas a falta de perspectivas pode afetar o ritmo depois.

Reis argumenta que há dois aspectos difíceis de serem separados nessa análise: um é a oferta de trabalho – a existência de vagas disponíveis no mercado e a demanda maior ou menor por determinados grupos – e o outro é a disposição do trabalhador em aceitar as oportunidades.

A primeira dimensão tem a ver com o cenário econômico, o dinamismo da região e fatores como nível de qualificação profissional, enquanto a segunda pode estar ligada a fatores como remuneração baixa, oportunidades em áreas diferentes das desejadas, e falta de flexibilidade para manter atividades de cuidado, principalmente entre mulheres.

“De um lado tem a questão da oferta de trabalho, existem certos grupos que são menos demandados, por exemplo. E tem outro lado que é a parte do trabalhador, se ele vai aceitar ou não, seja porque quer uma área específica, seja porque não concorda com a remuneração oferecida, são muitas situações heterogêneas. E é difícil separar um efeito do outro”, afirma Maurício Reis.

Com 38 anos, o pernambucano de Jaboatão dos Guararapes Tiago Calixto acaba de conseguir um emprego depois de quase dois anos de buscas. Ele fez dois cursos técnicos de química e procurava emprego na área desde o fim de 2022, quando foi dispensado de uma cozinha industrial do Recife. Calixto chegou a receber ofertas de trabalho no período, mas não eram nem na área de química nem em horário compatível com a graduação em licenciatura de química, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

“Foram mais de dez anos investindo no estudo em química, não queria perder isso para pegar qualquer vaga”, conta ele, que acaba de conseguir trabalho como auxiliar em um laboratório, através de um programa da Secretaria de Desenvolvimento Profissional e Empreendedorismo (Sedepe) de Pernambuco.

No período sem trabalho, o pernambucano fez um estágio de 20 horas por mês, como parte da licenciatura, que ajudou no pagamento do aluguel da família, formada pela mulher, enteado e filho. Apesar do orçamento apertado, resistiu a assumir uma vaga em outra área.

Parte das dificuldades está ligada ao lugar onde mora. Como se repete em outros indicadores sociais, o Nordeste enfrenta de forma mais intensa o desemprego de longo prazo. Com economia em geral menos dinâmica e menor participação da indústria, há menos oportunidades. “Não há empregos para absorver toda a população”, pondera Reis.

Outras questões são a qualificação profissional, já que a região tem uma população, em média, com menor grau de instrução que a brasileira, e o emprego informal. A taxa de informalidade é de 38,6% no Brasil, mas representa mais da metade da população (50,4%) no Nordeste.

Diante desse perfil, uma das linhas de atuação da Sedepe, de Pernambuco, é a orientação profissional, com sessões para identificar a necessidade de cursos de qualificação técnica e preparação comportamental, com oficinas sobre como preparar um currículo e se apresentar numa entrevista, por exemplo. Outra estratégia é a capacitação para o empreendedorismo, especialmente em cidades do interior, onde o emprego fica mais restrito ao comércio e ao setor público.

 

 

Fonte: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/09/03/desempregados-ha-mais-de-dois-anos-somam-22-do-total.ghtml

 

Deixe um comentário